Cel ou não cel, eis a questão!

educadores artigo cel ou nao cel eis a questao 1 Cel ou não cel, eis a questão! Uma criança começa a chorar, ou a fazer birra, manha. Os pais, ou quem quer que esteja cuidando dessa criança perde a paciência e imediatamente age com rigor. Saca do bolso um celular e entrega rapidamente para o pimpolho, que arregala os olhos e começa sua aventura no vazio da tela. Esse tipo de comportamento está tão disseminado que algumas empresas já lançaram berços e cadeirões com suporte para celular.

Uma criança começa a chorar, ou a fazer birra, manha. Os pais, ou quem quer que esteja cuidando dessa criança perde a paciência e imediatamente age com rigor. Saca do bolso um celular e entrega rapidamente para o pimpolho, que arregala os olhos e começa sua aventura no vazio da tela. Esse tipo de comportamento está tão disseminado que algumas empresas já lançaram berços e cadeirões com suporte para celular.

O que está acontecendo? Por que todos os pais, avós, tios, tias estão usando os celulares para hipnotizar as crianças?

Mas, será que todos os pais, avós, tios, tias agem assim? Não, nem todos. Há um grupo que decididamente resolveu afastar os filhos das telinhas e telonas. Sabe quem são? Os gurus digitais. Isso mesmo, homens e mulheres que trabalham no Vale do Silício, o epicentro da economia digital. Justamente os que pensam, produzem e vendem a tecnologia que transformou a sociedade a partir do século XX não deixam os filhos à mercê das telas.

Aliás, cabe aqui uma pergunta: será que seus filhos estão nas mãos do celular, ou estarão eles nas mãos de engenheiros, marqueteiros e psicólogos pagos para aprisioná-los em um mundo de consumo e futilidades?

Com a palavra, Pierre Laurent – pai de três filhos, engenheiro de computação que trabalhou na Microsoft, na Intel e agora preside o conselho de uma escola. Em uma matéria publicada no jornal eletrônico El País, Laurent traz um alerta impressionante. Trata-se de uma mudança no modelo de negócios do qual ele foi testemunha. “Qualquer um que faz um aplicativo quer que seja fácil de usar. É assim desde o começo. Mas antes queríamos que o usuário ficasse feliz em comprar o produto. Agora, com smartphones e tablets, o modelo de negócios é diferente: o produto é gratuito, mas são coletados dados e colocados anúncios. Portanto, o objetivo hoje é que o usuário passe mais tempo no aplicativo, a fi m de coletarem mais dados ou colocarem mais anúncios. Ou seja, a razão de ser do aplicativo é que o usuário gaste o máximo de tempo possível diante da tela. Eles são projetados para isso.”

Pois então, justamente aqueles que entendem o que está por detrás da tecnologia dos celulares e dos aplicativos querem ver seus filhos longe deles. E por coincidência, quando eu estava estudando para escrever este artigo, conversei com uma amiga que mora no Rio de Janeiro a respeito do tema e ouvi dela: “Minha fi lha mora nos EUA e trabalha em uma gigante da tecnologia. Veja o quarto dos meus netos”. Quando olhei as fotos que recebi pelo WhatsApp, constatei: nada de computadores, celulares, lousas digitais. Nem mesmo uma TV. Ao contrário disso, as paredes estavam todas cheias de desenhos feitos à mão, papeizinhos escrito com canetinha.

O engenheiro Laurent ainda levanta uma questão que neurocientistas estão começando a comprovar. A questão é simples de entender. Quando você coloca a criança diante de uma tela, você limita suas habilidades motoras e diminui sua capacidade de concentrar-se.

O que está claro para Laurent, Bill Gates, Steve Jobs e para a filha da minha amiga é que não é correto submeter as crianças a essa lavagem cerebral. E cientistas já demonstraram que a irresponsabilidade desses pais será cobrada num presente muito próximo. Isso mesmo, a fatura chegará hoje. Explico.

Uma das habilidades que mais necessitamos é a atenção. Ela é a janela por meio da qual o cérebro percebe o mundo. E ela é desenvolvida a partir de um longo processo que começa a partir do nascimento. O bebê, no início de sua trajetória de aprendizagem está centrado em si mesmo e pouco percebe do mundo exterior. É a partir dos estímulos que recebe do universo que o rodeia, do seio da mãe, das canções que ouve, do barulho do chocalho, que começa a jornada para o desenvolvimento de uma habilidade tremendamente complexa, que é a de controlar a própria atenção e voltá-la não somente aos estímulos móveis como, também, aos que são mais estáticos.

Uma das habilidades que mais necessitamos é a atenção. Ela é a janela por meio da qual o cérebro percebe o mundo. E ela é desenvolvida a partir de um longo processo que começa a partir do nascimento. O bebê, no início de sua trajetória de aprendizagem está centrado em si mesmo e pouco percebe do mundo exterior.

Assim, a criança desenvolverá a capacidade de prestar atenção no que realmente interessa, ou seja, concentrar-se. Essa habilidade irá ajudá-la a: ficar atenta ao professor, aos pais quando estes estiverem falando, concentrar-se quando estiver lendo um livro, futuramente concentrar-se ao volante, para ficar em poucos exemplos. E os celulares usados para distrair as crianças não ajudam em nada no desenvolvimento dessa capacidade, pois já se sabe que quanto mais exposição ao virtual, menor a concentração no real. A razão é muito simples. Quando a criança interage com seus pais, irmãos, avós, amiguinhos, seja brincando, desenhando ou realizando outra tarefa lúdica, o cérebro recebe estímulos para que a atenção se volte para as pessoas com as quais ela está interagindo.

Já, diante de um equipamento eletrônico, seja TV, tablet, computador ou celular, é a tela que captura a atenção da criança e faz todo o trabalho. E se os pais usam o celular como estratégia para distrair o fi lho na hora de comer, vestir o pijama, e outras tarefas que exigiriam esforço e concentração, o cérebro vai aprender que toda vez que for necessário esperar, concentrar-se, ou se esforçar, terá a permissão para se distrair.

Talvez seja por isso que lá no Vale do Silício os pais, que conhecem bem o que está por detrás dos aplicativos, matriculem seus filhos em escolas que não usam recursos digitais e presenteiam seus filhos com celulares somente quando chegam aos 14 ou 15 anos. Mas, se eles precisarem usar o celular? Um dos pais respondeu: “Usam o meu!”

Pode parecer uma opção radical, mas o preço por não se seguir esse conselho pode ser alto. O número de crianças com dificuldade em concentrar-se em algo está crescendo assustadoramente. Isso irá trazer muita dor de cabeça para os pais durante a alfabetização e os primeiros anos escolares e ainda comprometer o futuro delas, não apenas na adolescência, mas também quando se tornarem adultas.

Já se percebe em alguns adultos uma dificuldade de atenção e pesquisadores identificaram três grupos que lidam de forma diferente com o problema de falta de concentração. O primeiro grupo não experimenta dificuldade em sua vida cotidiana, o segundo se utiliza de medicamentos e o terceiro sofre sem saber que a origem disso está numa alteração de seus processos de atenção e execução e não imagina como pode regulá-los.

E mais ainda. Um dos fundamentos da Educação da Vida, nome dado para os princípios e fundamentos que norteiam o modo de educar na  Seicho-No-Ie consiste em descobrir os talentos da criança, suas habilidades, elogiá-la, incentivá-la, fortalecer-lhe a autoconfiança e desta forma desenvolver-lhe o gosto pelo estudo. Mais ainda: é papel dos pais e educadores estimular essa criança a explorar em profundidade seu interior para assim extrair o seu potencial infinito. Pensando em tudo isso, seriam as telas planas capazes disso tudo, se lidam apenas com um tipo de ferramenta cognitiva, ação e reação? Não, com certeza não.

Então, está em suas mãos a decisão de assumir a responsabilidade de negar ao seu filho aquilo que pais inteligentes já estão fazendo. Negar – mesmo que ele esperneie, faça birra e ameace fazer greve de fome – o uso das telinhas até que ele tenha adquirido habilidades cognitivas fundamentais que irão ajudá-lo a viver melhor em sociedade e consigo mesmo.

Escrito por Marcos Rogerio Silvestri Vaz Pinto

Artigo publicado em: Revista Fonte de Luz – Ano LV - Nº600 – Dezembro/2019 - pp. 27-30 – Seção: Educação da Vida em Família