Deus criou um mundo com uma delicadeza comovente, com beleza e perfeição indescritíveis. Mundo que se organiza segundo uma lei de autorregulação, de maneira que cada elemento nutre e é nutrido, sustenta e é sustentado pelos outros. Mundo de “aperfeiçoamento mútuo”, onde “todas as espécies viventes doam-se mutuamente apoiam-se mutuamente”, manifestando a sua individualidade e, ao mesmo tempo, “formando incontáveis comunidades” que “cobrem completamente a face da terra¹. Este é o chamado “Mundo da Imagem Verdadeira”.
A espécie humana é parte intrínseca dessa criação. Fomos criados segundo um sistema perfeito de funcionamento e nossa mente foi dotada de capacidade de autorregulação: aquilo que reconhecemos como existente é o que se manifesta ao nosso redor. Ao sentir alegria, estamos reconhecendo algo benéfico, que nos traz esse sentimento. Ao sentir mágoa, estamos reconhecendo que fomos prejudicados, humilhados por outrem, sentimento que toma conta de nossa mente, impedindo-nos de realizar com eficácia nossas atividades, manter boas relações e nos adoecendo. Este é um modo de ferir a dignidade humana.
Para uma expressão cada vez mais condizente com a original – vida de segurança, alegria, sucesso, juventude , prosperidade – o Professor Masanobu Taniguchi orienta um modo de viver segundo o “Princípio do Relógio do Sol”² (2009, p.95): “é uma prática de vida na qual concentramos nossa atenção nos fatos alegres, gratificantes e nos ensinamentos que recebemos em nosso cotidiano, gravando-os em nosso subconsciente”. Trata-se de uma orientação para a percepção e interpretação dos fatos cotidianos, das coisas, como circunstâncias favoráveis ao nosso desenvolvimento. São ensinamentos que advêm dos mais variados lugares, de uma planta, um animal, uma palavra, um gesto, uma pessoa que chega de repente. É preciso aguçar a mente para compreender os códigos, os sinais que o mundo nos oferece. Buscar a “Verdade” dos fatos tem esse significado, de acordo com o modo de viver segundo o “Princípio do Relógio do Sol”.
Mas, como muitas vezes há uma certa tendência da mente em ver o lado negativo das coisas, mais do que simplesmente fazer um exercício mental, abstrato, é interessante fazer um registro “concreto” da expressão de nossa alegria, satisfação interior: em desenho, versos, narrativas, de acordo com a habilidade que temos e que nos cause prazer, o que torna possível transmiti-las para outras pessoas, de modo a tornar nossa casa, nosso ambiente de trabalho, cidade etc, um lugar agradável de viver.
Toda expressão artística resulta do uso criativo e inédito de recursos específicos, a palavra, a tinta, o som…, representando os sentimentos humanos.
Toda expressão artística resulta do uso criativo e inédito de recursos específicos, a palavra, a tinta, o som..., representando os sentimentos humanos.
Podemos pensar no poema. No dia a dia, as palavras são usadas maquinalmente. Ao escrever um poema, o poeta presta atenção nas palavras, no que está por traz delas, quer descobrir novas potencialidades em seu uso, nas relações com outras palavras, “delirar”, como diz o poeta mato-grossense Manoel de Barros³:
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
Fazendo uma travessa brincadeira com o Genesis, Barros referencia o modo como as crianças, tal qual os poetas, reinauguram as palavras, criando deliciosas combinações, mostrando diferentes maneiras de compreender o mundo. Ver a cor dos passarinhos é algo que todo mundo faz. Mas, escutar a cor dos passarinhos é para quem está em conexão com a beleza mais profunda da vida, com a vibração que emana de cada ser em si. Isso só é possível quando prestamos atenção, concentramos nosso pensamento para ver além da materialidade.
Assim é que, pela arte podemos desautomatizar a nossa atenção, a indiferença e o descaso para com as coisas que nos rodeiam. No mundo automático, as coisas só têm sentido pela utilidade que apresentam. Não sendo úteis, são descartadas. É o que tem ocorrido com as relações humanas: se não tem valor, no âmbito dos padrões estéticos, econômicos etc, é preciso descartar, excluir o outro, autoexcluir-se.
Se somos capazes de ver a beleza dos animais, da natureza como um todo, somos também capazes de concentrar nossa atenção e sensibilidade na beleza e valor que emana do rosto de nossos pais, irmãos, esposo (a), filhos e demais pessoas ao nosso redor, e expressar em linguagem artística o que foi captado. O exercício diário do nosso talento vai nos trazer alegria, melhorar as relações e o nosso destino.
Tente. Você consegue!
Mentalize: “Eu sou a obra prima de Deus. Como exímio artista, Ele esculpiu a mim e aos demais seres com cuidado, bondade e beleza, para vivermos em harmonia, colaborando uns com os outros. Eu expresso cada dia com mais perfeição esses atributos do Criador.”
Referências Bibliográficas:
1. TANIGUCHI, Masanobu. Canto em louvor à Natureza. 2014 pp.16-17
2. Relógio antigo, com um pino central, onde ia incidindo a luz solar e projetando a sombra a partir do pino, marcando as horas
3. Uma didática da invenção” (excerto). Em: BARROS, Manoel. O livro das ignorâncias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. p. 17.
Artigo publicado em: Revista Fonte de Luz – Ano LIV - Nº593 – Maio/2019 - pp. 25-28 – Seção: Educação da Vida em Família